Em debate ocorrido neste sábado (6), em São Paulo, Lalo Leal Filho e Sérgio Amadeu Silveira avaliam ser inaceitável que não haja regulação para os setores
A pauta centenária da regulação dos meios de comunicação e a agenda contemporânea da regulação das plataformas têm algo crucial em comum: ambas são indispensáveis para sobrevivência da própria democracia. A afirmação é de Laurindo Leal Filho, o Lalo, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Lalo Leal Filho, proferida em debate neste sábado (6), durante o 4º Encontro Estadual de Blogueir@s e Ativistas Digitais de São Paulo.
por Felipe Bianchi | Fotos: Elineudo Meira (Choquito)
Lalo teve a companhia de Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e referência nos estudos sobre cultura e políticas digitais, para traduzir um pouco a complexidade dos temas, que são alvo de difamação e invisibilização por parte das corporações - seja a mídia hegemônica ou as chamadas ‘big techs’.
O debate ganha relevo com a disputa em torno do Projeto de Lei 2630, o chamado ‘PL das Fake News’, que tramita na Câmara dos Deputados e busca estabelecer regras, transparência e responsabilidades para a atuação das plataformas digitais.
“As plataformas digitais entraram profundamente na vida das pessoas - bem mais que a Rede Globo - de forma a reorganizar a vida na nossa sociedade”, argumenta Amadeu. “Se Google, Twitter, TikTok e afins não produzem os conteúdos, quem produz? Os usuários. O que as plataformas, sim, fazem, é controlar o que será mais ou menos visto; quantas vezes veremos; como será distribuído o conteúdo”.
A tentativa de golpe do dia 8 de janeiro por parte do bolsonarismo é um exemplo que já nasceu clássico: os conteúdos que atentavam contra a democracia e, inclusive, disseminavam mentiras, circularam livremente nas redes por tempo suficiente para cumprirem seu papel de convocar e insuflar as fileiras golpistas, mesmo confrontando as regras das próprias plataformas para os usuários. Esses conteúdos, em boa dose, foram impulsionados por algoritmos que, obviamente, são turbinados por expressivas quantias em dinheiro. "É urgente estabelecer transparência e limites para essas práticas", afirma o professor.
Regular as plataformas, conforme explica Sérgio Amadeu, também tem a ver com a coleta de dados por parte dessas corporações - que horas você chegou, saiu, o que leu, onde clicou, o que comprou. “Os cookies traçam esse caminho para as plataformas, que realizam uma organização do perfil de comportamento cada pessoa no planeta. O que significa? Grana”, salienta.
“Se você acessar o portal do UOL agora, provavelmente o banner de publicidade que aparecerá para você será diferente do que aparece para a pessoa ao seu lado. A rede identifica quem acessa e dirige a publicidade, baseada nesse perfilamento dos usuários. Imagine, então, o poder dessas empresas!”, alerta. “Não dá para aceitar que elas não sejam reguladas”.
Sobre os interesses da Globo em relação ao PL 2630, o especialista afirma que "o ‘jabuti’ da Globo não agrega à lei, só atrapalha". "O projeto tem de regular as plataformas e só. Mas não tentem me fazer contrário ao PL 2630. As plataformas precisam se submeter à lei e à Constituição brasileira. E a lei precisa de um órgão autônomo de fiscalização e de supervisão”, complementa.
BBC, Ley de Medios e o Brasil
“A discussão sobre regulação da comunicação não é nova. Tem pelo menos 100 anos. Como regulá-las dentro dos limites da democracia é que é a questão”, explica Lalo Leal Filho.
Para ilustrar, o estudioso cita o caso da BBC, um dos principais exemplos de comunicação pública no mundo. “A jóia da coroa continua sendo a BBC, dizem na Inglaterra. Privatizar a BBC seria arrancar a jóia da coroa. Margaret Thatcher fez de tudo para privatizar a BBC durante seu governo, sem sucesso. Por que? Porque a emissora pública se enraizou na sociedade britânica de forma muito positiva, pelo serviço de excelência que oferece ao público”.
Para não se restringir a exemplos europeus, Lalo recordou a Lei de Meios aprovada na Argentina durante o governo de Cristina Kirchner, mesmo sob forte ataque do grupo Clarín, que monopoliza o setor no país irmão. “Uma referência boa e condizente com a realidade do Brasil é a legislação argentina. Claro que houve retrocesso sob o governo de Mauricio Macri, mas é ótima referência para nós”, opina Lalo. “São 160 artigos que bebem na fonte das leis mais avançadas para o setor nas democracias de várias partes do mundo, compilando o que há de melhor nas legislações para o setor na Europa, nos EUA, no Japão e no Canadá”.
Para ele, não deve haver ‘competição’ entre a luta pela regulação da radiodifusão e a regulação das plataformas. “A Globo defende a regulação das plataformas, mas não a da radiodifusão. Uma coisa é regulação, outra é remuneração. Mas são as contradições colocadas. E daí surgem as brechas que precisamos explorar”.
**